Renegociações contratuais em tempos de crise
A palavra “crise” é comumente usada sempre que um acontecimento de ordem social ou econômica instaura um panorama no qual as pessoas têm dificuldade de continuar exercendo suas atividades e direitos regularmente.
Na seara financeira, em especial, a simples perspectiva de uma crise já é suficiente para abalar negócios, ocasionar quedas no mercado de valores imobiliários e desestruturar o planejamento de empresas.
No caso da COVID-19, desde a sua declaração como pandemia, e antes mesmo dos efeitos econômicos começarem a ser sentidos, já se falava em crise: uma crise sanitária que também traia, naturalmente, reflexos econômicos.
Afinal, a perspectiva de diminuição do ritmo de trabalho e de consumo preocupou os donos de negócios que têm contratos de execução contínua ou outras obrigações com prestações ainda a vencer.
Em regra, os contratos são feitos para serem cumpridos conforme seus termos, independente de circustâncias externas (a menos que essas circunstâncias estejam previstas no próprio contrato). É o princípio pacta sunt servanda, ou “os pactos devem ser cumpridos”.
No entanto, a legislação civil admite exceções a essa regra. São as as teorias:
- da imprevisão (quando uma situação que não podia ser prevista traz extrema dificuldade para a execução regular do contrato);
- da onerosidade excessiva (situação alheia às partes que faz com que a execução do contrato original traga desproporcional prejuízo a alguma das partes, e vantagem para a outra parte);
- do caso fortuito e da força maior (causa externa não imputável a nenhuma das partes; exemplos: catástrofes naturais, guerras, crises sanitárias).
À primeira vista, pode parecer que todas estas teorias são similares. Mas perante a lei, não são. Para aplicá-las juridicamente, há uma série de exigências e delimitações de hipóteses cabíveis.
A imprevisão e a onerosidade excessiva, por exemplo, não podem ser aplicadas em contratos instantâneos (de execuçã imediata). O caso fortuito e força maior, por sua vez, tem o condão de excluir o dever de responsabilização civil (indenização) em caso de descumprimento do contrato, mas não tem o condão de modificar prazos e valores das prestações.
Nesta pandemia, temos visto estas teorias excepcionais sendo constantemente invocadas para justificar a rescisão ou revisão de contratos – algumas, inclusive, sem o adequado preenchimento dos requisitos legais.
Entretanto, há outra saída que as empresas podem buscar perante seus parceiros, clientes ou fornecedores: a renegociação voluntária.
Renegociar os termos de um contrato, se todas as partes estiverem de acordo, não requer a invocação dos institutos excepcionais de revisão contratual que o Código Civil exige. Basta efetuar um Termo Aditivo ao contrato, estabelecendo novas condições quanto ao valor e/ou prazo de pagamento, forma e prazo do cumprimento do contrato, juros e multas, ou quaisquer outras cláusulas cujo cumprimento esteja em perigo, mantendo-se as demais.
É uma alternativa prática para alteração contratual e que não corre o risco de ser reconhecida como nula pelo Judiciário – o que pode acontecer, por exemplo, se o contrato for revisado a título de teoria da imprevisão, mas a parte não comprovar adequadamente a forma como a superveniência do fato imprevisível alterou a base econômica do contrato, objetivamente.
Naturalmente, isto não quer dizer que as teorias da imprevisão ou do caso fortuito e força maior jamais poderão ser eficazmente aplicadas a contratos cuja execução está sendo prejudicada pela pandemia do coronavírus. Assim como, não quer dizer que toda e qualquer renegociação contratual voluntária seja válida.
Por exemplo: nos contratos entre empresa e consumidor, onde vigoram os princípios do Código de Defesa do Consumidor, entre eles a presunção de hipossuficiência do consumidor, é possível anular uma cláusula contratual se for demonstrado que a empresa se aproveitou da vulnerabilidade do consumidor.
Já nos contratos entre empresas, de acordo com a Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica, as partes são consideradas paritárias. Logo, uma eventual vulnerabilidade de uma empresa diante de outra é considerada excepcional e deve ser amplamente provada.
Em todos os casos, é recomendável que a decisão de revisão ou renegociação contratual seja precedida de uma consulta jurídica com advogado especializado, bem como, também, elaborada por ele, com a avaliação de todos os fatores jurídicos e também do caso concreto.
Estamos à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema.
Dr. Kleber Paulino de Souza OAB/RR nº 624