Certidão negativa não pode ser exigida de empresa que teve recuperação deferida antes da Lei 13.043
Fonte: STJ – Acessado em: 19-12-2019
Com base na impossibilidade de retroação dos efeitos da Lei 13.043/2014, que regulamentou o parcelamento tributário para empresas em recuperação judicial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser cabível exigir a certidão negativa de débitos fiscais de uma empresa cuja recuperação foi deferida em 2006.
No recurso analisado pela turma, a Fazenda Nacional questionava a falta de comprovação de regularidade fiscal da empresa – discussão que surgiu apenas quando uma nova assembleia de credores, em 2016 (após o encerramento do processo de recuperação), aprovou a venda de um parque fabril para quitar créditos ainda em aberto.
“Tal providência, dado o avançado estágio de desenvolvimento do processo de soerguimento da recorrida, representaria violação à segurança jurídica e ao mais basilar dos princípios estampados na própria Lei 11.101/2005 – preservação da empresa –, que objetiva viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.
Em decisão interlocutória, o juiz homologou proposta de alienação do parque fabril independentemente da apresentação de certidões de regularidade fiscal. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o qual entendeu que a exigência de apresentação de certidões negativas não pode ser obstáculo ao deferimento da recuperação de uma empresa, mesmo após a regulamentação do parcelamento de débitos fiscais pela Lei 13.043/2014.
Inércia legislativa
Por meio de recurso especial, a Fazenda Nacional e o Ministério Público do Rio Grande do Sul sustentaram que a apresentação das certidões seria condição imprescindível para a concessão da recuperação judicial. Segundo as recorrentes, não existe mais o vácuo legislativo relativo ao parcelamento especial para empresários em processo de recuperação, em razão da publicação da Lei 13.043/2014.
A ministra Nancy Andrighi apontou que, efetivamente, a Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas – LFRE) dispõe, em seu artigo 57, que, após a aprovação do plano pela assembleia geral de credores, incumbe ao devedor apresentar em juízo certidões comprobatórias de sua regularidade fiscal. Trata-se, segundo a ministra, de exigência imprescindível, nos termos do artigo 58 da mesma lei.
Entretanto, a relatora lembrou que, em razão das disposições constantes no artigo 68 da LFRE e no artigo 155-A do Código Tributário Nacional – as quais garantem ao empresário em recuperação a possibilidade de parcelar seus débitos fiscais em condições especiais –, a Corte Especial do STJ passou a entender que a inércia do legislador em editar lei específica sobre o parcelamento impossibilitaria o contribuinte de cumprir a regra do artigo 57 da Lei 11.101/2005, não podendo o empresário sofrer prejuízos pela demora do Legislativo.
Parcelamento especial
Em 2014, foi publicada a Lei 13.043/2014, incluindo o artigo 10-A na Lei 10.522/2002, dispositivo que prevê modalidade especial de parcelamento de débitos tributários para a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação. A lei foi regulamentada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB 1/2015, conciliando, segundo Nancy Andrighi, os interesses dos credores privados do devedor e os do fisco.
“Como a obtenção do parcelamento conduz à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e esta permite a expedição de certidões positivas com efeitos de negativas, achava-se pavimentado o caminho que possibilita o cumprimento, pela recuperanda, da exigência da norma do artigo 57 da LFRE (comprovação da regularidade fiscal)”, afirmou a ministra.
Além disso, Nancy Andrighi lembrou que, de acordo com o fixado nos artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005, bem como no artigo 191-A do CTN, a comprovação da regularidade fiscal da recuperanda deve ocorrer em momento anterior à concessão da recuperação judicial.
Ela ressaltou, porém, que o processo de soerguimento da empresa já estava encerrado em 2008, e a insurgência da Fazenda Nacional quanto à comprovação da necessidade da regularidade fiscal só foi manifestada após o pedido de homologação da decisão de vender o parque fabril, tomada em assembleia de 2016, durante a execução do plano.
“Como, à época da concessão do benefício legal, não havia lei específica a disciplinar o parcelamento especial do crédito tributário do devedor em processo de recuperação, tem plena aplicabilidade à espécie o entendimento assentado por esta corte no sentido de que a comprovação da regularidade fiscal da recuperanda não era providência que dela se podia exigir”, concluiu a ministra ao manter a decisão do TJRS.