Internet e pandemia: ações de operadoras são insuficientes
Sem medidas efetivas para as telecomunicações, operadoras do setor assumiram compromissos voluntários, mas que ainda são insuficientes para garantir o acesso pelos consumidores mais vulneráveis
Com o decorrer da crise provocada pela pandemia, as principais operadoras de telecomunicações do país se comprometeram a implementar medidas para aliviar as dificuldades enfrentadas por consumidores, principalmente financeiras, e garantir o acesso aos serviços prestados.
Estabelecer compromissos para que o acesso à internet seja garantido a todos os consumidores é fundamental, ainda mais importante neste momento de crise econômica e isolamento social. Neste cenário, o acesso às telecomunicações é essencial para preservar o trabalho de milhares de pessoas que estão trabalhando remotamente, para viabilizar a comunicação de pessoas que estão longes de suas famílias e amigos e para promover o acesso à cultura, lazer e entretenimento na quarentena.
Após pressão de organizações de direitos dos consumidores, em 20 de março, por meio de suas associações de classe, as operadoras firmaram um compromisso público pela manutenção da conectividade no país e, em seguida, de forma individual passaram a divulgar compromissos específicos adicionais.
Para entender melhor esses compromissos, especialistas do Idec reuniram e sistematizaram os compromissos das quatro maiores operadoras do país (Claro, Oi, Tim e Vivo) para facilitar a comparação entre as promessas das operadoras. A pesquisa foi feita por tipo de serviço e por categoria de compromisso, assim como uma avaliação das iniciativas, com foco nos problemas dos consumidores mais vulneráveis economicamente.
De forma geral, foi possível concluir que mesmo tratando de necessidades dos consumidores, os compromissos apresentados pelas operadoras ainda são bastante frágeis e insuficientes frente às necessidades atuais, especialmente das pessoas mais vulneráveis, usuários de planos básicos e que o uso é majoritariamente por meio de celulares.
Internet móvel pré-paga: continuidade no acesso para quem tem maior poder aquisitivo
Não há qualquer compromisso das operadoras em garantir o acesso à internet quando acabar a franquia de dados contratada, apenas em ceder um bônus de dados diários após a utilização do pacote adquirido.
O Idec considera que os bônus oferecido é insuficiente frente às necessidades de famílias que acessam a internet somente por meio de conexões móveis. São, inclusive, muito inferiores aos concedidos aos planos pós-pagos que, em geral são contratados por usuários economicamente mais favorecidos e que possuem acesso à internet também pela conexão fixa.
Planos pré-pagos são os mais utilizados por consumidores de baixa renda em todo Brasil, sendo, muitas vezes, o único meio de acesso à internet de milhares de pessoas durante a pandemia1.
Desta forma, as operadoras apontam algum grau de preocupação com a conectividade, com a oferta de bônus extras, mas não priorizam a continuidade do acesso à internet (e não somente a alguns aplicativos, o chamado zero rating) após o fim da franquia contratada, mesmo que em velocidade reduzida, para permitir a conectividade básica do consumidor.
1 85% da classe DE e 61% da classe C é usuária de internet apenas pelo celular, ademais 70% da classe C e 74% da classe DE possui plano pré-pago. (Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) 2019. Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros: Tic Domicílios 2018. São Paulo)
Compromisso com a manutenção de serviços não contempla o mais importante
A flexibilização de regras do pagamento e manutenção dos serviços para inadimplentes são duas das principais questões a serem observadas para que os consumidores em dificuldades econômicas não sofram ainda mais os efeitos da pandemia.
No entanto, somente duas operadoras (Oi e Vivo) apresentaram compromissos práticos, como planos de parcelamento de dívidas sem juros e multa e manutenção do serviço de inadimplentes por uma ou duas semanas.
Ainda assim, mesmo essas operadoras não se comprometem com o que é mais importante: não desligar os serviços durante a crise, renegociando as dívidas no futuro, com condições favoráveis ao consumidor.
Especificação dos compromissos
A pesquisa do Idec verificou que muitos compromissos não são especificados, ou seja, são apresentados de forma genérica e não permitem que o consumidor saiba exatamente qual o benefício a ser recebido, nem que se garanta que estão efetivamente sendo oferecidos. Não especificam, por exemplo, qual será o aumento da velocidade na internet fixa ou qual o bônus de internet nos planos pós-pago.
A mesma falta de especificação, com textos genéricos, ocorre em relação às melhorias no serviço de atendimento nos compromissos apresentados por três das quatro grandes operadoras analisadas.
Transferência do benefício recebido do governo para consumidores mais vulneráveis
A Medida Provisória 952 estabelece a postergação do pagamento de tributos do setor de telecomunicações, um benefício concedido pelo governo federal às empresas do setor e agora é preciso que o benefício seja transferido aos consumidores.
Por isso, os compromissos apresentados devem ser ampliados e dirigidos aos consumidores mais vulneráveis, dependentes de conexões móveis e planos pré pagos, focando em garantir a continuidade de acesso aos serviços durante a pandemia.
O acesso à internet é um direito fundamental, necessário para o exercício do direito à informação, à educação e ao trabalho, o que fica ainda mais evidente no momento de crise econômica e isolamento social. Por isso, o Idec tem lutado para que os serviços não sejam interrompidos e para que as pessoas mais vulneráveis tenham garantida sua conexão permanente à internet.
Em um cenário onde o poder público atua de forma extremamente tímida, os compromissos das operadoras são ainda mais essenciais e podem indicar o grau de compromisso destas empresas com a sociedade brasileira. Mesmo reconhecendo que a crise impacta negativamente a economia do setor, o Idec defende que os consumidores sejam o centro das preocupações do poder público, por ser a parte mais vulnerável e afetada pela situação.
Acesso à informação
Como iniciativas positivas, destaca-se a disponibilização de conteúdos no período de isolamento social, inclusive pelas operadoras de telecomunicações que estão oferecendo acesso a aplicativos próprios de notícias, e-books gratuitos e liberação de canais de TV paga.
As operadoras também estabeleceram parcerias com o Ministério da Saúde e com a Caixa Econômica Federal para garantir o acesso, sem gasto da franquia de internet aos aplicativos Coronavírus-SUS e Auxílio Emergencial.
Detalhamento dos compromissos assumidos
Confira em detalhes as principais iniciativas das operadoras para manutenção do acesso à internet, para manutenção do serviço, atendimento e TV por assinatura e para disponibilização de conteúdo gratuito. Cada iniciativa foi classificada como positiva (verde), insuficiente ou positiva mas com problemas (amarelo) e negativa (vermelha).
1) Principais iniciativas das operadoras para manutenção do acesso à internet:
* Benefício condicionado a assitir vídeo sobre a Covid-19. Benefícios adicionais: Claro: zero rating para app Claro Música e acesso gratuito para apps “Claro Games” e “Discovery Kids Plus”; Oi: 3 livros literários gratuitos no Skeelo e Clube de Quadrinhos da Oi; Tim: TIM Games e Playkids gratuitos, zero rating para pacote Office 365 para plano pós-pago e Tim Protect Backup, Esporte Interativo, Cartoon Network, Looke e FOX para algumas ofertas; Vivo: mais apps de notícias inclusos nos planos, Discovery Kids Plus, Clube de Revistas e outros gratuitos (a depender do plano) e possibilidade de aluguel de notebooks.2) Principais iniciativas para manutenção do serviço, atendimento e TV por assinatura:
* Compromisso firmado por operadoras (exceto Vivo) e Sinditelebrasil no âmbito do “Brasil Conectado”, mas pouco especificado. **Pelas informações analisadas até 04/05, as medidas eram válidas somente para o mês de abril. Não consta informação sobre o mês de maio.3) Principais iniciativas para disponibilização de conteúdo gratuito:
* Compromisso firmado por operadoras (exceto Vivo) e SindiTelebrasil.Fonte: IDEC. Acesso em: 17/06/2020.